Ainda sobre o assunto do
desabamento do imóvel no bairro de São Mateus, decidir aprofundar mais sobre o
tema, no caso sobre a situação do licenciamento da obra que é o foco do blog e também
minha área de atuação.
Lógico que a causa real do
desabamento não foi pela falta de documentação da obra, mas é sintomático que
os grandes desastres são sempre pontuados por diversas falhas de menor ou maior
grau que conjunto contribui para o acontecido.
“A prefeitura avalia aspectos formais da
obra, se a obra está de acordo com a legislação da cidade”.
“Mesmo que a obra fosse regular, isso não iria
eximir o engenheiro responsável pela segurança física da obra, não é função dos
fiscais da prefeitura avaliar se a obra é segura, mas sim confirmar se a
construção esta dentro das leis de uso e ocupação do solo. Garantir a segurança
da obra é responsabilidade do engenheiro”.
Correto, concordo com as falas do
Prefeito, mas a prefeitura atuou corretamente naquilo que é de sua
responsabilidade?
Bom tratava-se de uma obra nova
no bairro de São Mateus, extremo leste de São Paulo, na Avenida Mateo Bei,
altura do nº 2300. Pelas informações verificadas pela imprensa até o ano de
2010 funcionava um posto de gasolina que já estava desativado.
A obra teve inicio no mês março, no dia 13/03/2013 a primeira autuação da prefeitura por falta de
documentação com multa lavrada no valor de R$ 1.159,00 em atendimento ao item 6.B.2 do Decreto
32.329/1992 (decreto regulamentador do Código de Obras e Edificações):
(...)
6.B.2 –
Constatada a existência de obra cujo documento comprobatório de regularidade
não se encontre no local de sua execução, a fiscalização devera:
a) Lavrar auto de
Infração e Intimação ao infrator para, no prazo de até 10 (dez) dias sanar as
regularidades, sob pena de embargo e multa;
b) Aplicar a
correspondente multa pecuniária.
(...)
Pelo Anexo III da Lei 11.228/1992 (Código
de Obras e Edificações) que determina a tabela de multas pela não apresentação
de documento que comprove o licenciamento de obra ou serviços em execução o
valor devido é de 10 UFM.
Nesta data não é possível determinar
se a obra já em execução possuía um responsável técnico (Arquiteto ou
Engenheiro Civil), mas certamente não possuía o Alvará de Aprovação e
Execução de Edificação Nova, pois no dia 25/03/2013 a prefeitura autuou novamente
o imóvel, agora pelo não cumprimento da intimação anterior e lavrou o Auto de
Embargo e o Auto de Multa no valor de R$ 103.500,00 em atendimento ao item
6.B.4 do Decreto 32.329/1992:
(...)
6.B.4 – Desatendida
a intimação prevista no item 6.B.2 ou, se constatada irregularidade na execução
da obra, seja pelo desatendimento às disposições do COE ou pelo desvirtuamento
da atividade edilícia como indicada ou licenciada pela PMSP, a fiscalização
devera:
a) Lavrar Autos
de Embargo e Infração;
b) Aplicar a
correspondente multa pecuniária.
(...)
Pelo Anexo III da Lei 11.228/1992 (Código
de Obras e Edificações) que determina a tabela de multas pela inexistência de
Alvará de Execução de Edificação Nova o valor devido é de 1,00 UFM por m².
No dia 10/04/2013 foi protocolado
o Alvará de Aprovação de Edificação Nova sob o número 2013-0.102.750-9 pelo
Sistema de Aprovação Eletrônica de Projetos, diferente do sistema tradicional o
Alvará de Aprovação e Execução não podem ser protocolado em conjunto, primeiro é
efetuado o protocolamento do Alvará de Aprovação e somente após a liberação do
número do processo é possível efetuar o pedido do Alvará de Execução.
Somente após o devido
protocolamento do Alvará de Execução, decorrido 30 dias após o pedido sem objeção
da prefeitura poderia ser iniciado a obra (conforme Decreto 32.95/1993), que
não poderia ser utilizado para este caso pois a obra estava embargada.
Ocorre que o responsável técnico que protocolou o processo por desconhecimento, negligência, estratégia ou até para não se
comprometer no futuro não efetuou o protocolamento do Alvará de Execução. Não que isto seja errado, mas
desta maneira as obras não poderiam ser efetuadas, porque é este documento que
dá a permissão para a execução e também o local onde é registrado quem é o dirigente
técnico da obra.
O protocolamento do Alvará de
Aprovação de Edificação Nova somente pode ser efetuado pelo autor do projeto,
ou seja, a partir desta data com certeza já tem a presença de um responsável
técnico que poderia orientar o proprietário qual o caminho correto para o
licenciamento da sua obra.
Também foi efetuado nesta data o
recurso das multas recebidas, não consigo imaginar qual argumentação foi
apresentada, pois como não existia no ato da infração no mínimo o protocolo do processo as multas
são devidas, mas este expediente pode servir para o proprietário ganhar tempo para efetuar o
pagamento ou deixar isto mofar nas prateleiras da prefeitura.
Foi revelado um dia após o acidente, pela prefeitura, que a planta apresentada no projeto protocolado para a obtenção
do Alvará de Aprovação consistia de uma construção com apenas UM PAVIMENTO com três lojas.
Este pedido foi indeferido no dia
27/05/2013 por infração ao quadro 4 anexo a Lei 13.885/04 (Lei de Zoneamento
atual). O referido quadro informa condições de instalação e usos permitidos
conforme a largura da via, tendo limitações para vias com largura menor que 12
metros quanto a área construída máxima.
No dia 03/06/2013 foi solicitado à
reconsideração de despacho onde foi anexada uma nova planta de dimensões e
especificações diferentes contendo também um pavimento e com isto o processo
retornou para fila de analise onde permanece até a presente data.
Importante salientar que o imóvel
está localizado numa ZCP-b/01 (Zona de Centralidade Polar - b) onde possui os
seguintes índices urbanísticos:
- Taxa de Ocupação de 50%
- Coeficiente de Aproveitamento Básico: 2,00
- Taxa de Permeabilidade Mínima: 15%
Não tenho conhecimento de como
era o prédio que estava sendo construído, mas pelas fotos e o iconográfico da
Folha de São Paulo (abaixo) o imóvel ocupava 100% do terreno e não possuía área permeável
mínima.
Tendo o projeto apresentado
apenas um pavimento, quando no local eram construídos dois pavimentos leva a
suspeita que a planta apresentada seria apenas “para inglês ver”, uma peça de
ficção não representando fielmente o existente no local, possivelmente apenas
para dar uma resposta à fiscalização da prefeitura sem importar com a da devida
regularidade da construção.
Embora com todos estes problemas
a obra prosseguiu, sem que fosse possível saber se o responsável técnico que protocolou
o processo acompanhou a obra ou se tinha outra empresa ou técnico respondendo
pela edificação.
Mas com a certeza de que a
prefeitura, pelo menos oficialmente, nunca mais passou pelo local em claro
desrespeito ao descrito no decreto regulamentador do Código de Obras:
(...)
6.B.5.1 – O
embargo será suspenso após a eliminação das infrações que o motivaram e o
pagamento das multas impostas.
6.B.6 –
Tratando-se de obra sem o documento que comprove a sua regularidade, o embargo
será suspenso após o cumprimento de todas as seguintes condições:
a) Apresentação
de Comunicação aceita ou Alvará de Execução ou Alvará de Licença para
Residência Unifamiliar;
b) Eliminação de
eventuais divergências da obra em relação às condições constantes da
Comunicação ou Alvará de Execução e peças gráficas e/ou descritivas vistadas
quando for o caso;
c)
Pagamento das multas impostas.
6.B.7 –
Desobedecido o Auto de Embargo, a fiscalização devera:
a) Lavrar Auto de
Infração e aplicar correspondente multa pecuniária;
b) Encaminhar
solicitações de abertura de inquérito e de auxilio policial para manutenção do
embargo administrativo da obra;
6.B.8 – Independente
da adoção da providência consignada no item 6.B.7 deste ANEXO, se constatado o
prosseguimento da obra, a fiscalização deverá aplicar multa diária ao infrator
até que a regularização da obra seja comunicada a repartição competente,
devendo ser verificada pela PMSP no prazo de 5 dias contados a partir da
comunicação.
6.B.9 – Por ocasião
da utilização do auxilio policia, se constatado o prosseguimento da obra,
deverá ser lavrado o Auto de Flagrante Policial e aplicada multa pecuniária ao
infrator.
(...)
Ou seja, a prefeitura foi
negligente com o que era de sua obrigação e atribuição, as obras somente
poderiam continuar após o deferimento do processo, a emissão do Alvará de
Aprovação, do Alvará de Execução de obra nova, da aceitação por parte da
prefeitura do pedido de desembargo da obra e do pagamento das multas já
emitidas. Nada disto ocorreu.
Não foi este o motivo do desabamento,
que possivelmente ocorreu devido a um erro de projeto, erro na execução das
obras ou ambas as coisas. Mas é nítido observar os graves erros da prefeitura
que no meu entendimento também é corresponsável pela tragédia, pois caso tivesse
autuado conforme preconizado na lei teria parado esta obra no primeiro dia de
desrespeito ao embargo.
Isto tudo veio a tona por causa do
ocorrido, caso contrário seria mais uma das milhares de obras irregulares que
se constroem todos os dias na cidade de São Paulo.
Não que uma obra regular com a
devida documentação também não esteja sujeita ao erro de projeto ou má execução
da obra, mas entendo que numa situação correta estes erros sejam minimizados sendo mais fácil até para apuração das responsabilidades.
Nesta situação vemos a
prefeitura, o proprietário, o autor do projeto, o locatário, a empresa de engenharia trocando acusações
e tentando inutilmente dizer que não tem responsabilidade direta com o
ocorrido, sendo que todos tem sua parcela de culpa.
Quem ganha com isto? A cidade
certamente não é.
Deixo aqui novamente meus
sentimentos a todas as famílias das vitimas, que os responsáveis sejam
devidamente apresentados e respondam pelos seus atos.